A cesariana em Portugal e o debate público
Eu defendo o parto vaginal como o meio natural, expectável e mais benéfico na esmagadora maioria dos casos, para mães e bebés. Mas na minha hierarquia de valores, a defesa da autonomia e da liberdade de escolha está acima de tudo.
PARA REFLECTIRPARTO
Eu defendo o parto vaginal como o meio natural, expectável e mais benéfico na esmagadora maioria dos casos, para mães e bebés.
Mas na minha hierarquia de valores, a defesa da autonomia e da liberdade de escolha está acima de tudo.
No rescaldo da reportagem da SIC sobre o aumento do número de cesarianas em Portugal, fico com esta sensação de que há mais motivação para as trocas de acusações e para as discussões cada vez menos sãs online, do que em pensar como chegámos até aqui.
Custou-me particularmente escutar uma mulher que dizia sentir-se tão mãe quanto outra que pariu via vaginal...
Reconheço que existe este preconceito doentio que qualifica o parto vaginal como prova de força e superação, como se o amor, a dedicação e a força de uma mãe dependessem da via de parto.
A cesariana em Portugal e o debate público


Mas a minha pergunta é:
como é que nos permitimos andar em discussões e acusações, quando devíamos estar preocupados com o problema de raiz que afecta um universo de mulheres que são:
coagidas e pressionadas
privadas de informação clínica clara e detalhada
incentivadas a aceitar um procedimento, onde a confiança que depositam naqueles que as deviam cuidar e proteger, é usada para influenciar a sua decisão
maltratadas e assustadas a ponto de preferir a cesariana para acabar com o sofrimento que é fruto, não do parto em si, mas da má conduta profissional
forçadas a entrar em instituições cuja probabilidade de ter uma cirurgia sem motivo clínico é muito superior, devido ao estado em que se encontra o nosso SNS
Isto sim é o tema.
Isto sim é o problema que temos em mãos.
E a polarização de opiniões preocupa-me. Desgasta-me.
Se eu gostaria que todas as mulheres pudessem experimentar o êxtase e a felicidade de um parto vaginal respeitado, autónomo, memorável pelos melhores motivos?
Gostava. Muito mesmo.
Mas o mundo não é do tamanho dos meus desejos, e a evidência científica, apesar de apoiar inequivocamente o parto vaginal, não é para ser utilizada como argumento e veredito final numa sentença social, cheia de crenças e ideias de como o mundo deveria ser.
O mundo e os partos das outras mulheres.
A cesariana não é o caminho mais fácil.
O quão boa, forte e capaz uma mãe é, nada tem que ver com a via de parto pela qual o seu filho nasceu.
As mulheres que passam por cesariana são tão fortes quanto as mulheres que têm parto vaginal.
Nem todas as mulheres que tiveram os seus filhos via cesariana, estão desinformadas quanto aos riscos.
Nem todas as cesarianas electivas são feitas com base no medo.
